A Covid como agenda de política pública em Ponte Nova

No dia 26 de fevereiro, o Brasil completou um ano da confirmação do primeiro caso de Covid no Brasil, embora Luiz Henrique Mandetta, ainda como ministro da saúde, tenha afirmado que já havia casos no país antes mesmo da primeira confirmação oficial.

Mas, independente da exatidão da data, o certo é que a Covid alterou de maneira expressiva – direta ou indiretamente – a rotina de todos os cidadãos brasileiros, começando por novas palavras, incorporadas ao vocabulário do cotidiano, como lockdown e pandemia, até a algo bem mais grave: a possibilidade concreta de um colapso completo de todo o sistema de saúde do país (tanto público quanto particular). Essa possibilidade é devida a uma conta tão simples quanto aterradora: uma nova doença altamente contagiosa e sem controle é igual à lotação absoluta de leitos de enfermaria e de UTI em todo o país.

A Covid logo se espalhou para todas as cidades do território brasileiro, começando nas capitais e, posteriormente, de maneira extremamente rápida, interiorizando-se. Ponte Nova não foi uma exceção à regra e em 05/05/2020 o primeiro caso de Covid foi identificado na cidade.

Uma breve descrição sobre a concepção do “Ciclo de Políticas”

Antes de falar do caso da Covid em específico é importante trazer uma pequena descrição acerca do “Ciclo de Políticas”, introduzindo, de maneira elementar, alguns conceitos relativos ao que seria política pública. Isso é necessário devido à discussão da “agenda”, que está presente no Ciclo de Políticas.

As políticas públicas ocorrem em um ambiente complexo e de alta densidade política, marcado por relações de poder. Essas relações são muito conflituosas, ocorrendo entre diversos atores e poderes. Uma maneira encontrada para lidar com tamanha complexidade, mas sem descartar a dinâmica sistêmica, consiste em associar o modelo sistêmico com o modelo do ciclo de política, abordando as políticas públicas a partir da sua divisão em etapas sequenciais (RUA, 2009).

Isso pode ser observado de maneira esquemática a partir da figura a seguir:

Figura 1: Ciclo de Políticas Públicas

Fonte: Rua (2009).

A partir do Ciclo de Políticas, esquematizado na Figura 1, é possível observar a “agenda”. A agenda terá grande destaque, sendo discutida a seguir, relacionando-se com a Covid e contextualizada para o caso da cidade de Ponte Nova.

Covid: uma nova demanda formando uma agenda de política pública

Saindo da discussão (bem) geral sobre políticas públicas, vamos voltar a falar da pandemia de Covid.

A Covid acabou exigindo algum tipo de reação do poder público, em diferentes esferas de poder, com o objetivo de conter a sua disseminação. Porém, são os prefeitos, em especial, os atores governamentais que presenciaram (e ainda estão presenciando) de forma mais intensa os efeitos da doença. Isso é devido ao fato dos prefeitos estarem na “base”, sentindo de maneira mais próxima as consequências nefastas da doença. Além disso, tem-se a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu aos prefeitos, juntamente com os governadores, o poder de determinar medidas restritivas durante a pandemia.

O sistema de saúde e, até mesmo, o sistema funerário passaram a estar cada vez mais pressionados (no momento em que esse artigo está sendo escrito o Brasil passa pelo pior momento da pandemia), esgotados com o número cada vez maior de infectados pela Covid. Esse esgotamento implica na enorme possibilidade de uma calamidade sanitária sem precedentes – algo que já chegou a ocorrer em diversas cidades -, resultando em um elevadíssimo número de mortes e com profundas consequências socioeconômicas (inclusive no longo prazo). Somando-se a isso, tem-se uma grande exposição da mídia, em suas diferentes formas, que, de maneira intensa, tem acompanhado todos os desdobramentos da pandemia. Assim, dessa junção, entre as trágicas consequências acarretadas pela Covid e o seu amplo monitoramento, foi gerada uma nova demanda que se tornou um problema político, resultando na formação de uma agenda de política pública. Essa é a agenda da Covid.

A formação de uma agenda pode ser observada de maneira esquemática a partir da figura a seguir.

Figura 2: Formação de uma agenda

Fonte: Adaptado de Rua (2009).

O conceito de agenda, em política pública, consiste numa lista de prioridades inicialmente estabelecida, em que os governos precisam dedicar sua energia e atenção, e nas quais os atores lutam de maneira intensa para incluir determinadas questões de seu interesse. Essa agenda resulta de um processo pouco sistemático e muito competitivo, pelo qual se extrai, de um conjunto de temas que poderiam ocupar a atenção do governo, as questões que serão de fato tratadas (RUA, 2009).

A Covid, de maneira geral, tornou-se uma questão prioritária que está ocupando a maioria dos governos. Os governos, por inúmeros motivos, precisam realizar medidas eficientes para conter o problema da disseminação dessa doença, dado que o descontrole da pandemia possui uma elevada possibilidade de gerar consequências extremamente danosas, que serão amplamente divulgadas em diferentes mídias. Importante destacar o impacto do papel da mídia, ainda mais complexificado a partir da popularização das mídias sociais, que se constitui em uma variável importante para a compreensão do processo de formação da opinião pública. Então, a Covid, deve-se ressaltar novamente todo o enorme potencial dos seus danos, é capaz de influenciar a opinião de atores que conseguem sensibilizar a opinião pública sobre problemas de grande relevância coletiva.

Desse modo, mesmo inexistindo uma política nacional unificada de controle da pandemia no Brasil, algo que pode ser ilustrado pela já citada decisão do STF, além de uma série de incertezas que decorrem de uma doença ainda pouco conhecida, houve iniciativas descentralizadas de governos estaduais e de prefeituras para conter a pandemia. A principal medida que se convencionou aplicar, considerando a atual impossibilidade de uma campanha de vacinação em massa, consistiu na realização do isolamento social. O isolamento social compreende evitar a aglomeração de pessoas (principalmente em espaços pequenos), a partir da restrição de diferentes atividades consideradas como não essenciais e com o potencial de aglomerar um grande número de pessoas.

A formação de uma agenda é muito afetada pelos atores políticos e não políticos, além dos processos de evidenciação dos temas (RUA, 2009). Os principais atores políticos da agenda Covid são os prefeitos, que estão na linha de frente, no sentido político, contra a doença. Mesmo considerando quaisquer intervenções do governo estadual, federal ou mesmo do judiciário, a prerrogativa de como realizar fechamentos/flexibilizações de atividades, tirando determinadas exceções (a exemplo do enorme descontrole do número de casos), cabe aos prefeitos. No caso dos atores não políticos, os principais são os infectologistas e epidemiologistas, além das instituições de pesquisa em saúde, pois realizaram estudos e divulgaram informações embasadas cientificamente sobre quais medidas corretas tomar para conter o avanço da Covid. Acerca do processo de evidenciação do tema, tem-se o reconhecimento das graves consequências geradas pela Covid na forma de manifestação das demandas, das crises e das informações sobre a Covid (indicadores e estatísticas de contágio, pesquisas e outras fontes).

Considerando o caso de Ponte Nova, desde os primeiros  diagnósticos confirmados de Covid no município, diferentes decretos foram sancionados, definindo a implementação de restrições e/ou flexibilização de atividades. Ponte Nova faz parte do Minas Consciente, plano que orienta a  restrição/flexibilização de medidas de isolamento social em cada município do estado, permitindo a retomada parcial da economia, observando-se o impacto sobre o sistema de saúde.

Como exemplo de decreto municipal de flexibilização do comércio em Ponte Nova (Publicado em 21/08/2020 16:37):

“Na tarde de hoje (21/08) foi expedido novo decreto pela Prefeitura de Ponte Nova, relacionado à pandemia do novo coronavírus e a flexibilização do comércio. A partir da próxima segunda-feira (24/08), voltarão a funcionar as academias, clubes recreativos, escolas de esporte, restaurantes self-service e agências de viagem. O rodízio de CPF passa a ser válido apenas supermercados, magazines, atacadistas e lojas de departamento.

Academias deverão seguir os protocolos exigidos pelo Governo do Estado, Plano Minas Consciente. Cada Clube e Escola de Esporte deverá criar um Protocolo de atendimento e apresentá-lo na Prefeitura.”

Além desse tipo de decreto, outra medida, até então inédita, realizada apenas devido a Covid foi a divulgação de relatórios informando a lotação de leitos de enfermaria e UTI do Hospital Arnaldo Gavazza e do Hospital Nossa Senhora das Dores.

Como exemplo de relatório (divulgado nas redes sociais da Prefeitura Municipal de Ponte Nova):

Fonte: Prefeitura Municipal de Ponte Nova.

É possível observar que, devido ao tamanho da sua gravidade e também do potencial da sua divulgação, a Covid se tornou uma crucial agenda de política pública, com o objetivo de conter a doença a partir da implementação de determinadas medidas, até então totalmente inéditas, pautadas em especialistas e em pesquisas científicas sobre saúde. Trata-se de uma agenda, presente em um ciclo, que pode ser observada para o caso de Ponte Nova (e também nas demais cidades do Brasil e do mundo).

Referências

RUA, M. DAS G. Políticas públicas. Florianópolis: Departamento de Ciências da Administração/UFSC, 2009.

*Nota

A imagem em destaque é proveniente do Pixabay. Agradecimentos a educadormarcossv.

 

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